Bem, chega de postergar: hora de falar sobre a aventura “A Princesa de Salinas” que ocorreu no CENTUR semana passada retrasada.

Como havia citado, a aventura é baseada em uma lenda que ouvi quando criança.

Me disseram naquela época que, na base do farol velho (foto abaixo) que fica na ilha do Atalaia (palavra que significa “vigia”), havia uma entrada que só se abria quando a maré baixava o suficiente. Essa entrada dava para os restos de um forte construído pelo exército à centenas de anos, que guardava uma princesa trazida da Europa e o tesouro resultante da pilhagem de navios que afundaram nos recifes de Salinópolis. Para libertar a princesa e pilhar o tesouro, seria necessário sangue humano virgem - ou seja, era como dizer “crianças, não vão ‘praquelas’ bandas senão vão virar sacrifício ‘prá’ princesa”.

Foto de Raimundo Lima (Cyber Lima)

Naturalmente, minha pesquisa histórica revelou que um forte nunca foi construído naquela área, entre outros detalhes da lenda que não correspondiam à realidade. Como resolver isso? Oras, nunca ouviram falar em licença poética?

O Mundo Comum

Cada jogador foi convidado a criar seu personagem de acordo com as regras apresentadas no Mistureba Generalizada.

Um dos jogadores disse estar jogando com um Nativo de Salinas, morador da praia do farol velho. Já o outro resolveu jogar com um Investigador da Scotland Yard.

O Chamado da Aventura

No começo da sessão, contei aos jogadores sobre a lenda da princesa de Salinas e então fiz uma proposta: cada jogador que inventasse uma boa razão para investigar essa lenda ganharia uma Carta de Parada - que é a “moeda” utilizada no JDE Mistureba Generalizada (ouve uma mudança de nome no desenvolvimento do jogo - “Carta de Destino” soava muito estranho pros leigos).

Podem crer, deixar para os jogadores a tarefa de decidir como os seus personagens se envolvem no enredo de uma aventura é mais simples que tentar fazer isso através do típico “vocês já se conheciam e resolvem partir para uma aventura”.

O jogador do Nativo resolveu que seu personagem morava próximo à base do antigo farol e ouviu rumores sobre a lenda. Um motivo meio fraco, mas válido o suficiente para merecer a Carta de Parada.

Já o jogador do Investigador imaginou algo mais interessante: ele veio da Inglaterra até o Brasil em busca de um assassino serial, e sua melhor pista era justamente a lenda da princesa de Salinas. Dei uma Carta de Parada ao jogador, com louvor!

Sei o que estão pensando: “não faz muito sentido”. Minha resposta é: “se vai ser divertido, bola pra frente”!

Outra coisa importante que queria que os jogadores decidissem é se seus personagens teriam armas de fogo. Lembrei-lhes que armas de fogo são ilegais aqui no Brasil, e que eles poderiam ter problemas com as autoridades caso portassem alguma. Por eu estar Forçando um Aspecto do Cenário sobre eles, cada jogador que aceitou começar o jogo sem uma arma de fogo recebeu uma Carta de Parada adicional - ou seja, os dois jogadores aceitaram sem problemas.

Uma vez que essas decisões foram realizadas, o jogo de diversão estórica - JDE - finalmente começou pra valer!

O Primeiro Limiar

Para começar, o Investigador chegou a Salinas desarmado, mas pronto para investigar uma série de assassinatos. A primeira coisa que ele fez foi procurar a polícia local, que foi solícita o suficiente para indicar a região onde a vítima mais recente foi encontrada: a praia do farol velho.

Uma vez com essa informação, ele foi até a praia procurar por pistas. Para isso, ele resolveu falar com um dos moradores do local.

Devo destacar que o jogador do Investigador pensou em algo muito interessante: ele disse que seu personagem se prepararia para falar da melhor forma possível com o morador da primeira casa visitada. Decidi que essa ação poderia funcionar como uma Manobra, que nomeamos “Modelo Mental do Dono da Casa” (5), que serviria para prever o comportamento do dono da casa usando teorias investigativas - a menos que a manobra fosse contestada com sucesso.

Neste ponto, o Investigador faz sua abordagem… e encontra o Nativo. Após uma breve conversa, ambos ouvem um grito feminino vindo da base do farol velho. O primeiro reflexo do Investigador foi checar o que aconteceu, enquanto o Nativo teve a ideia de levar um terçado que ele mantinha em sua casa como uma curiosidade.

Ao chegar no ponto de onde o grito parece ter vindo, os personagens encontram uma passagem aberta na base do velho farol, que dava para um corredor baixo que os levou até um outro corredor, desta vez com espaço suficiente para duas pessoas ficarem de pé uma ao lado da outra. Após andar mais um pouco, a dupla achou uma bifurcação.

Aqui, eles resolveram retornar para a entrada, se esconder e esperar até alguém sair.

**O Segundo Limiar

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Depois de algum tempo esperando, um indivíduo encapuzado sai pela passagem carregando um saco nas costas. Com um azar dos diabos agindo contra os jogadores e suas recusas em usar cartas de parada para melhorar seus resultados, o indivíduo foge mas deixa seu saco para trás. Quando os jogadores examinam o conteúdo da sacola, encontram… lixo.

O que um meliante estaria fazendo com uma sacola de lixo?

O jogador do Nativo teve a ideia de ir procurar informação na zona boêmia, enquanto o Investigador resolveu checar os supermercados próximos à procura de pistas.

Faz sentido: pessoas vivendo dentro de uma passagem secreta ainda precisam se alimentar ou ir atrás de diversão.

O Nativo descobriu, após pagar algumas doses para o cagueta local - e pagar uma carta de parada - que havia um culto de malucos espreitando a base do farol velho a anos, mas ele não sabia muita coisa sobre o que estava acontecendo. Mesmo assim, ele indicou o pároco local, que podia saber alguma coisa sobre essas coisas bizarras.

O Investigador, por outro lado, descobriu que um homem encapuzado ia a cada 2 semanas até um supermercado e comprava uma boa quantidade de comida e água mineral, entre outras coisas. O detalhe era que o meliante sempre jogava as notas fiscais no chão, e a atendente do supermercado sempre as catava e guardava caso a polícia aparecesse. Porquê? Carta de parada, baby!

Após essa rápida investigação, os personagens voltam para a base do farol velho e percebem que a passagem está agora abaixo do nível da maré. Nesse momento, o Nativo teve uma ideia: contratar os serviços de um instrutor de mergulho que morava próximo dali e checar a passagem.

Eles perceberam que a passagem havia fechado, e foi como somar dois com dois: a passagem abria apenas quando a maré baixava o suficiente. Nesse meio tempo, os possíveis cultistas saiam, se divertiam e compravam mantimentos. Porém, as notas fiscais coletadas no supermercado indicavam que a passagem se abria apenas de duas em duas semanas, e os personagens não queriam esperar tanto tempo.

Encontro com o Mentor

Foi quando eles resolveram ir atrás da pista mais quente que eles tinham no momento: o pároco local. O Nativo resolveu ir à pé, mas o Investigador preferiu ir de táxi.

Neste ponto da estória, aconteceu uma coisa curiosa: o Investigador deu uma nota elevada ao taxista, esperando que isso comprasse seu silêncio. Porém, a tentativa de suborno não funcionou como deveria e o taxista respondeu que “não podia aceitar esmola de gringo”. Nessa hora, o Investigador ficou levemente irritado, mas preferiu deixar o taxista ir embora sem o trocado extra.

Quando o Nativo chegou, ambos resolveram falar com o pároco, mas a igreja sequer havia aberto. Eles chamaram o pároco logo de uma vez, que foi bastante solícito com o investigador e o Nativo, principalmente porque o segundo ficou de pintar um afresco para a igreja.

A Barriga da Baleia

Após fuçar a documentação disponível na igreja, o Investigador chegou a uma conclusão muito importante: haviam quatro entradas de ar no projeto da igreja que eram grandes demais para servirem apenas para o ar entrar nela. Além disso, era um pouco estranho que a passagem que se abria na base do farol velho desse para um túnel com ar respirável, além do mesmo parecer ir em direção à igreja.

Basicamente, tratava-se de uma típica violação do parágrafo 2 da Evil Overlord List, a saber: “Meus dutos de ventilação devem ser pequenos demais para alguém rastejar por eles”.

No fim, o Investigador usou seus conhecimentos para usar um equipamento de rapel e adentrar uma das passagens de ar. Uma cena tensa se sucedeu, na qual o Nativo não sabia nada de rapel e quase escorregou para uma queda fatal.

Após se arrastarem por mais alguns metros de dutos de ventilação, eles acabaram dando para uma sala ampla onde estava um cultista, uma moça desacordada em cima de um altar e uma enorme porta metálica.

A luta foi tensa e rápida: o Investigador jogou uma pedra no cultista enquanto o Nativo usou seus conhecimentos de pesca esportiva para amarrá-lo.

Nesse momento, a porta se abriu lentamente enquanto o cultista gritava coisas como “satan está voltando por culpa de vocês” e outras coisas semelhantes. Os demais cultistas resolveram aparecer também, e eles revelaram ser todo o elenco secundário da sessão, desde o cagueta até o instrutor de mergulho!

Naturalmente, os jogadores ficaram realmente tensos e sem saber se eles se preocupavam com os cultistas ou com seja-lá-o-que-fosse que ia sair da porta, mas aí ocorreu uma nova surpresa: a porta revelou-se um cofre que guardava um imenso tesouro, acompanhado de um esqueleto vestido em trapos que um dia foram um belíssimo vestido.

Nesse momento, os cultistas começaram a gritar em prantos “meus deus, porquê?! Porque nos fez matar pessoas” e coisas do gênero, até eles rasgarem suas próprias vestes  e começarem a arrancar a própria pele.

O Retorno com o Elixir

A lenda da princesa de Salinas era nada mais que uma mentira contada a muitos anos para afastar as pessoas da área próxima à base do farol velho.

Tudo começou com uma mentira ainda maior contada aos religiosos de uma época remota: o portal metálico era uma passagem para o inferno, e ela deveria ser mantida fechada com o sacrifício periódico de uma moça em cima do altar preparado especificamente para isso. O período entre cada sacrifício deveria ser de 21 anos, sendo que nesse meio tempo bastava jogar 2 litros de água do mar sobre o altar para manter o portal fechado por 1 mês.

A porta metálica, por outro lado, era um dispositivo de engenharia típico de um filme de Indiana Jones: qualquer líquido que escorresse por fissuras presentes no altar acabava caindo num reservatório. Esse reservatório se esvaziava constantemente e, quando finalmente ficava vazio, acionava um sistema mecânico que abria a porta do cofre. Esse dispositivo funcionou perfeitamente por séculos, enquanto os cultistas apenas cumpriam sua função religiosamente - desculpem o trocadilho infame.

O problema com os assassinatos em série surgiu quando o desgaste do dispositivo finalmente começou a afetá-lo, fazendo com que a quantidade de água necessária para mantê-lo desativado aumentasse. Quando a porta começou a abrir, uma moça dentre os cultistas foi morta de imediato. A partir daquele dia, ao invés dos cultistas apenas aumentarem a quantidade de água do mar lançada sobre o altar, eles passaram a sacrificar uma jovem a cada mês. Lei de murphy, oi?

E assim terminou uma estória investigativa extremamente estranha e nonsense. Se gostaram dessa porcaria, comentem aí!